quinta-feira, 1 de maio de 2008

Imagens digitais: portas abertas para fraudes

Ricardo Goldbach

A onipresença das câmeras fotográficas digitais e dos programas de tratamento de imagens é uma poderosa aliada do jornalismo, e o uso desta combinação deu origem a um verbo de uso corrente – “photoshopar”. Um efeito colateral da conjugação deste verbo tem estado, no entanto, a serviço do falseamento da realidade, na busca cotidiana dos repórteres fotográficos pela melhor e mais impactante imagem.

Há poucos anos o meio jornalístico viu-se diante de um escândalo de repercussão mundial, que bem demonstrou o quanto são importantes os limites impostos pela ética e pela lei, quando se trata de refrear o uso da transgressão como instrumento de trabalho. Em agosto de 2006, Adnan Hajj - fotógrafo freelancer libanês a serviço da agência noticiosa Reuters - quis dar mais impacto às fotos que havia feito durante ataques aéreos israelenses ao Libano.

Uma comparação entre as imagens mostra que houve edição grosseira da foto original (à direita), com aumento e escurecimento de uma nuvem de fumaça que saia de um prédio em Beirute, além do encorpamento de uma segunda nuvem.



foto retocada x foto original

Nas fotos abaixo está outra criação de Hajj, desta vez sobre uma foto de um caça F-16 israelense que originalmente liberava um flare - dispositivo de contramedida usado para desorientar termicamente mísseis inimigos. Hajj reproduziu duas vêzes o flare e o rastro de fumaça, e fez constar na legenda que o F-16 havia disparado três mísseis contra a cidade de Nabatiyeh, quando na verdade a aeronave executava manobra evasiva.


O F-16 e o milagre da multiplicação dos flares



Mais evidências do uso da ferramenta "clone" do Photoshop

Como resultado, a Reuters viu questionada a autenticidade do material que distribuia para jornais do mundo inteiro. A agência rescindiu o contrato com o falsificador e revisou, tecnicamente, mais de 900 fotografias previamente submetidas por ele. Após ser desmascarado, Hajj alegou em sua defesa que apenas "tinha tentado remover algumas manchas e riscos das imagens originais", alegando que más condições de iluminação ambiental durante o retoque podem tê-lo levado a cometer os erros apontados.

É importante observar que a montagem somente foi descoberta – e admitida pela Reuters – após uma contundente denúncia feita por Charles Johnson, responsável pelo blog Little Green Footballs. Em seguida, Charles foi ecoado pelo site do Washington Post e por inúmeros outros blogs ao redor do mundo. Se a imprensa é o quarto poder, é bem possível que o webjornalismo independente venha a ser o quinto, com a missão de auditar a fidedignidade da mídia convencional.


Veja mais sobre a "obra" de Adnan Hajj:


. Reuters drops Beirut photographer - BBC News, Londres

. Altered images prompt photographer’s firing - MSNBC

. Bold Distortions and Outright Lies - Blog Honestreporting

. Fotógrafo da Reuters manipula imagens de Beirute - Blog Conexão Digital

. Another faked photo by Adnan Hajj - Blog The Shape of Days

. Adnan Hajj photographs controversy - Wikipedia

. Erro grosseiro do The New York Times alimenta polêmica sobre as fotos da guerra - Wikinews
(o link acima já está funcionando)

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4 comentários:

Colin Foster disse...

Postei no blog do meu grupo (acontecenomundovirtual.blogspot.com) um texto parecido, que acende a discussão de até onde é válida a manipulação de imagens.
Estes casos relatados por vocês me lembrar aquele atentado na Espanha, em que na foto original aparecia uma perna fora do corpo, devido à explosão, e no jornal a perna foi apagada. Pode ter sido por uma boa causa, mas feriu o compromisso com a verdade e com a ética.

Fogli disse...

Acredito que o problema não esteja na manipulação de fotos, nem nas imagens digitais, mas sim, em profissionais que não estão sabendo utilizar dessas tecnologias de forma correta e acabam criando situações complicadas para o proprio trabalho deles



www.fazendomidia.com

William Santos disse...

Além de faltar com a ética a foto da poluição é um trabalho de péssimo nível, está visível a manipulação. Senão me engano é a ferramenta carimbo do Photoshop que foi usada

RGold disse...

Foi exatamente isso o que eu quis transmitir no meu texto, Felipe.

A foto digital e a possibilidade de retoques (não distorcedores) são aliadas do jornalismo. O problema aqui, como em qualquer área de atividade humana, está no mau profissional. A tecnologia é neutra até que seja empregada - com boas ou más finalidades.

No caso deste fotógrafo em particular, eu fiz questão de enfatizar o quanto pode ir longe o mau uso. Até porque a criatura em foco é reincidente no abuso da "engenharia fotográfica".

Aquele abraço,

Ricardo