quinta-feira, 1 de maio de 2008

O desafio da ética do jornalismo digital na sociedade da informação

Valéria Cristina

Não existe melhor classificação que poderíamos dar a nós mesmos nesse frenético, veloz e conturbado período em que vivemos do que a já existente: sociedade da informação. Somos bombardeados por todos os lados com o auxílio de inúmeros “brinquedos” tecnológicos que nos asseguram a conexão – ou para muitos, a submissão - ao mundo virtual em qualquer hora, de qualquer lugar. A Internet iniciou esse processo que não pára de crescer. Aliás, crescimento na área de informação, como vários especialistas já decifraram, tem algumas peculiaridades que não estão atreladas a nenhuma regra rígida e conhecida de mercado, como oferta e demanda. O que torna a Internet importante não é a escassez de oferta, como seria comum perceber nos mercados de bens materiais. É exatamente o caráter democrático, de livre acesso e de baixo custo, responsáveis por atrair milhões de usuários/consumidores, que torna o meio e o que é veiculado nele valiosos.

Atualmente, qualquer pessoa pode ter um blog, postar notícias, participar de fóruns de discussão, criar comunidades sobre qualquer assunto, organizar um mailing de contatos de e-mail, baixar músicas, filmes, até de se tornar um colaborador de um software de produção aberta, caso tenha talento, tempo livre e conhecimento para tanto, entre as milhares de possibilidades de relações do mundo digital de interações em escala global. Como fica a questão da ética nesse contexto em que somos ao mesmo tempo produtores e consumidores de conteúdo, emissores e receptores das notícias e com total controle da mídia utilizada? Não somos mais os passivos leitores/ expectadores das mídias tradicionais. Como fica a questão dos direitos autorais? A checagem dos fatos noticiados? Podemos acreditar em todas as informações recebidas nas nossas caixas de e-mail ou nos milhões de blogs existentes? Como identificar fontes confiáveis?

Sem dúvida, há ainda muitas perguntas sem respostas, mas para alguns teóricos da comunicação esse caminho sem volta aberto pela internet pode representar a possibilidade atual do jornalismo retornar ao seu status de quarto poder de seu início quando cumpria, entre outros objetivos, o papel de zelar e fiscalizar o bom andamento dos outros poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O jornalista Ignacio Ramonet, diretor do Monde Diplomatique e Professor de Teoria da Comunicação em Paris, Santiago de Compostela e em Madri, faz um convite para que os jovens jornalistas utilizem a “brecha digital” com este objetivo. Segundo ele, é preciso que o jornalismo volte a estar “a serviço da sociedade, e não contra ela, como vem ocorrendo no mundo globalizado”. O especialista critica a estrutura atual em que grandes grupos empresariais detêm muitas vezes mais poder que muitos países. Não são apenas multinacionais, são conglomerados globais.

A notícia, nesse contexto, também, foi transformada em mercadoria como qualquer outra. Há, ainda, a concentração da informação nas mãos de poucos, porém, gigantescos grupos de comunicação. O que pode ser tão nocivo quanto a divulgação de noticiais oficiais de governos totalitários. Nos Estados Unidos, uma mesma organização empresarial de comunicação, a Clear Channel detém o maior número de estações de rádio na terra do Tio Sam - mais de 1100. Isso altera inclusive o aspecto de identidade regional já que todo conteúdo acaba pausterizado e fornecido de forma global. Somente a título de (mais) informação, a badalada gravadora Live Nation, que acabou de contratar por 120 milhões de dólares a cantora pop Madonna, surgiu como um braço da mesma Clear Channel, em 2005. A Clear Channel, com seu grande monopólio no setor de radiodifusão dos Estados Unidos, passa por maus momentos, atualmente. Ela sofre um processo na Justiça americana por aumentos abusivos de ingressos de shows, usando exatamente o poder de divulgação dos trabalhos dos artistas em suas rádios para pressioná-los a elevarem os valores cobrados por suas apresentações produzidas pelo conglomerado.

Mesmo no Brasil, em escala um pouco menor se comparado a outros países, há casos de monopólio de grupos, que produzem jornais, rádios, tvs, internet. Nesse grande cardápio de opções, a notícia virou parte coadjuvante. O mais importante são as vendas ou mais do que isso, são a audiência, os números de acessos, tudo o que possa atrair os cobiçados anunciantes, não importando nesse caso a qualidade ou importância da notícia veiculada. Para Ramonet e outros teóricos, é neste paiol de interesses que se dá a confusão entre difusão da notícia e espetáculo. Mais do que informar, educar, ou formar opiniões, o jornalismo produzido por esses grandes grupos, em especial para tv e rádio, quer é entreter, sem esquecer, claro, das vendas nos breaks comerciais.

A internet seria, então, uma resposta a esse quadro, segundo Ramonet. O jornalista de posse dessa nova, democrática, barata e interativa mídia digital pode ser a promessa para a redescoberta do bom, honesto, bem feito jornalismo de resistência, com credibilidade.

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